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OLHANDO PARA FORA quarta-feira, novembro 18, 2009

  Nossa vida não é feita somente daquilo que nós próprios vivemos,mas também daquilo que observamos na vida de outras pessoas que nos servem como exemplos e lições.
  Quando me vi internada no hospital me deparei com diversas situações que me fizeram constantemente refugiar em pensamentos, mesmo estando ali com um problema tão preocupante não pude deixar de sentir e até mesmo me envolver nos casos daqueles quem me foram apresentados, mesmo que tão brevemente continuam em minha mente... um verdadeiro observatório da vida daqueles que lutam por ela e que buscam se reerguer quando a moléstia estaciona ou anula os sonhos de alguns. Priva, confina e estabelece limites antes não tidos. Quando tudo acontece como num piscar de olhos e alguns vão do "céu" ao "inferno" em segundos... pude examinar a forma com que cada enfermo ali lida com esta situação tão delicada.
    A senhora nos seus recém atingidos 70 anos e o cada vez mais frequente e conhecido AVC até então lhe estagnara a "vegetar" dependendo de aparelhos para respirar e de fraldas para coletar seus dejetos. Sua mente débil já não responde às conversas de sua tão aflita filha que se distendia da Alemanha para cá a fim de acompanha-la. Ela só balbucia frases desconexas e geme à noite perturbando meu sono já tão "quebradiço" vítima daquele lugar estranho. Às vezes me via incomodada dando suspiros de insatisfação, mas ao mesmo tempo pensava na situação tão difícil na qual ela estava, sem culpa e a compaixão falava mais alto mesmo passando a noite quase toda em claro. Mais um exercício de paciência; sem contar no entra e sai de enfermeiras, no chamar insistente de um senhor no seu transtorno mental chamando pela mãe em plena madrugada. Sexto dia no hospital de Vila Real e a última imagem que tive dela foi quando a removeram para uma maca sendo transferida cujo destino desconheço. O sexto dia era datado 21 de Outubro, mesmo dia em que fiz a tão esperada ressonância magnética com resultado previsto para o dia seguinte.
   No mesmo dia em que ela desocupou a cama ao lado chegou uma outra senhora com uma aparência rural, não tomei conhecimento do problema dela, a única característica que marcou  foi o forte odor de suas axilas, fiquei só pensando o que ela passara para chegar ali em tais condições. Sua estadia como vizinha não chegou ao anoitecer e logo ela foi para outro quarto.
   Embora meu nariz tenha agradecido, outro teste de paciência iniciou-se... a noite adentrou e outra senhora idosa tomou lugar e com ela trouxe uma tortura aos meus ouvidos. Inquieta resmungava e gritava insistentemente chamando a enfermeira "Ô menina!"-gritava ela, "Caralhoo"-resmungava ela. Nem mesmo seus punhos amarrados ás grades laterais da cama a continham, chegou ao ponto de tombar-se ao chão, tendo eu que acionar o alarme,assim como por outras vezes durante a árdua noite. Nos seus 83 anos, via-se internada pela primeira vez na vida, recusando-se a urinar em fraldas e não podendo levantar-se... é de se entender em partes seu comportamento, digo em parte porque o excesso que ela exercia em seus xingamentos acho que não justificava o transtorno que causava não só a mim quanto à outra senhora também idosa; de aparência simpática e tímida que ocupava a terceira cama da enfermaria de neurologia; enfim, não refleti o bastante para quem sabe entender e chegar à uma conclusão.
    O crepúsculo terminou,dando espaço aos raios matinais daquela quinta-feira que já começara estressante por conta do sono mal dormido, em jejum desde o jantar da noite passada alguns exames ainda viriam e que foram cancelados quando por volta das 16 horas o Dr. Pedro Guimarães informou á mim e meu marido sobre minha transferência para o Hospital Geral Santo António em Porto. Assustada, meio que desorientada, sem tempo para despedidas, pois a ambulância já estava à espera seguimos para a fase seguinte.

A SUPERAÇÃO DO MEDO quinta-feira, novembro 05, 2009

  Dia 29 de Outubro.Apenas 4 horas de sono cansado e ansioso anteciparam as horas da cirurgia de biopsia estereotáxica.Sete da manhã,logo pus-me a pé,a enfermeira já a me preparar... um banho desinfetante, roupas cirúrgicas... e eis quer surge meu marido e eu que pensei que não o veria antes de entrar no bloco cirúrgico,o tempo já não parecia existir para mim. O nervosismo contido por parte dele e eu com uma serenidade que nem parecia estar prestes a ter o cérebro invadido.
  Ele me acompanhou enquanto minha cama, devidamente identificada com meu nome,ia corredor a fora e então  o limite chegou, um beijo com a sensação de que tudo terminaria bem e por fim o início da experiência mais surreal da minha vida, aonde até então eu possa descrever.
  Deitada, na minha visão vertical,faces surgiam a todo instante, minha vida entregue aos cuidados de pessoas até então estranhas. Eu só torcia a todo momento que cada um tivesse noção da importância dela,mas o cuidado, carinho e demonstração de profissionalismo logo me fizeram esse pensamento pairar e nada mais pensava, apenas via, sentia. Outra vez me vi na grande máquina cilíndrica, a Ressonância Magnética nessa altura foi muito importante para confirmação do local exato do tumor,com o chamado "contraste" para melhor definir as imagens senti um calor intenso percorrer meu corpo quase nu.
   Num misto de minutos de sonolência e lucidez,como flashes recordo detalhes, como o positivismo do anestesista, um diferencial explícito dentre todos ali presente, o único que usava touca laranjada estampada com smiles, certamente apoio psicológico proposital.Entre as dores suportáveis das pequenas agulhas da anestesia local, direcionada aos nervos da minha cabeça, adormecendo-a rapidamente a pressão do equipamento sendo fixado em minha caixa craniana através de quatro pequenos parafusos,embora aparentemente medieval,uma técnica necessária pela precisão milimétrica.
  Naquele momento eu só pensei em Deus e no propósito daquilo tudo e numa experiência quase que sobrenatural, enquanto eu sentia o pungir suave dos parafusos em minha testa me veio imagens de Cristo sendo coroado com espinhos e então aquela agonia que eu começara a sentir foi banida quando refleti que o meu sofrimento nada era diante do que Ele passou para nos dar Vida e eu estava ali para ser curada e não torturada até a morte como Ele foi.Lembrei da minha vida, dos meus pais, das minhas irmãs,do meu filho, amigos, marido,das minhas andanças, trajetórias, erros... o que minha mente podia buscar no meu "baú de recordações" e o que meu coração denunciava das coisas que fiz e que poderia fazer.
   O anestesista e o neuropsicólogo conversavam comigo para julgar minha consciência enquanto o trabalho ia sendo feito em meu cérebro,o qual não posso descrever com exatidão, pois a única coisa que via era um tubo transparente com sangue, um grande plástico transparente ao redor da minha cabeça e um pouco do equipamento que a fixava.O remover de um pouco da minha vaidade, raspada pela lâmina,um pouco dos meus cabelos se foram para que em troca eu ganhasse um corte no meu couro cabeludo. O momento mais surpreendente foi ouvir o furar do meu crânio, um barulho estridente invadia meus ouvidos de dentro para fora,uma sensação incrível embora indolor. Apesar da aparente cena de terror tudo foi muito tranquilo, o carinho com o qual me trataram me deu mais confiança e coragem do que eu já tinha.Tudo estava sendo tão bem sucedido,meu estado psicológico e emocional estavam tão amenos que eu até sorri para foto e uma curta filmagem.
   O tempo para mim correu indiferente,material extraído do tumor,a finalização e o fechamento da minha pele com espécie de agrafos disparados.Bendita evolução, que permitiu desenvolver os anestésicos,senão talvez eu precisasse de fortes doses de álcool para inebriar a dor.Uma dose de morfina me deixou com arritmia cardíaca...num espaço para recuperação ali sim senti a tortura do tempo que parecia não passar, o sôro parecia não terminar e para completar escapou-me da veia,nessa hora desejei que me tivessem anestesiado os braços também.Meu medo de agulhas era coisa da infância, mas esses dias de internação e incontáveis furadas me deixou traumatizada quanto a isto.Minha agonia durou alguns minutos enquanto o enfermeiro tentava encontrar uma veia,pareciam todas terem corrido e ele ainda mexia as agulhas dentro da minha carne,4 tentativas em vão e a quinta bem sucedida por parte de outra enfermeira.
   Na sala de espera,meu marido informava minha família e amigos que também esperavam aflitos por notícias,que logo ficaram tranquilizados quando os médicos informaram tudo ter corrido bem.Agora só faltava me trazerem de la.
   Um relógio na parede branca e minha bexiga parecia não suportar mais uma gota sequer,tornando os minutos mais aflitivos, tentando suportar me rendi à vergonha de ter que urinar deitada em uma aparadeira com auxílio de uma enfermeira,ao menos me aliviou a tensão da espera.Por volta das 15 horas,meu coração já em ritmo normal, devidamente hidratada me conduziram de volta à enfermaria de neurocirurgia.Em "minha" própria cama transitando nos vastos corredores daquela construção secular,a luz do sol da tarde,tão suave dos dias de outono me veio ao rosto trazendo a sensação de revitalização e enquanto minhas pupilas se contraiam adaptando-se à luz me deparei com o rosto risonho do meu marido, que tanto me esperava aflito, com um brilho em seus olhos verdes e uma expressão de alívio evidente.Foi tão bom esse nosso encontro, tão bom quanto ao dia em que nos conhecemos, tão bom quanto ao dia em que nos vimos vestidos de noivos para nossa união.Então eu contemplava o teto branco,rico em detalhes, como se no Céu eu estivesse e um sentimento de paz tão grande.
    Ele ainda esteve mais um pouco de tempo comigo e seguiu para casa,uma vez que, eu estava me sentindo muito bem,se despediu docemente e foi dar assistência ao meu menino que já não o via desde o dia anterior.O restante das horas foram as mais desconfortáveis para mim desde que minha jornada hospitalar havia tido início.Fora a fome que me atravessava o estômago devido o jejum, ainda tinha a condição de permanecer deitada, meu travesseiro manchado de sangue, meus cabelos embaraçados, uma vontade voraz de tomar banho.Eu me sentia super bem, sem dores, mesmo assim tive que obedecer e então jantei deitada,ao menos o sono vinha,mas se não fosse o fato de eu estar produzindo tanta urina como nunca na vida minha madrugada não teria sido a apertar o alarme de assistência.
   Por fim a manhã do dia 30 de Outubro chegou,e a Doutora Carla Silva,responsável pelo meu caso me deu a permissão para levantar-me, tomar banho e a melhor notícia de todas: minha alta médica.A euforia tomou conta de mim e logo liguei para meu marido contando.A papelada ainda estava sendo preparada,então podia percorrer os 120 km com calma para me buscar.
   A água morna lavou minha alma, notar a pequena perda de cabelo mexeu com meu ego, mesmo sabendo ser um "mal" necessário. Arrumei minha mala calmamente, sequei os cabelos,maquiagem nos olhos, boca, tentando disfarçar a notável mudança que os dias de cama e fortes remédios me fizeram. Meu corpo antes já rijo e contornado pela minha dedicação nos últimos 5 meses agora não está mais o mesmo, minhas pernas que sempre foram grossas perderam a musculatura devido o repouso excessivo e até fracas estão. Achei que eu nem iria caber dentro da minha calça jeans pelo inchaço que o corticóide causa,mas pelo visto só inchou mesmo meu rosto. É incrível como minha vida mudou tanto em poucos dias, mas isto só me tem fortalecido e tenho certeza que logo passará.
   Tudo pronto, papéis, prescrições, tudo entregue. Antes de eu ir fui me despedir da Gorete, a pessoa mais especial que conheci neste hospital e que falarei sobre ela à parte, pois ela é uma verdadeira lição para qualquer pessoa.
   De mãos dadas com meu marido saímos dali, só pensava na hora de abraçar e beijar meu filho, ainda fomos comprar umas boinas para eu encobrir minha nova "calvície", o trânsito da cidade do Porto estava demasiadamente ruim, demoramos a chegar em casa. Minha emoção foi grande ao ver meu filho no portão, me esperando todo alegre,um abraço tão gostoso me fez desmanchar em lágrimas.Todos me receberam super bem, de novo em casa,ainda desnorteada, mas muito aliviada por estar de volta. Observei, senti, ouvi, vi, cada detalhe, que já fazia parte do meu dia-dia com um sabor diferente. A verdadeira riqueza está na simplicidade e a felicidade está dentro de cada um. Não importa a situação é possível se sentir bem e superar qualquer limite, por mais difícil que pareça ser. Diante de algo que muito considerariam uma grande tragédia consegui encontrar mais motivos para sorrir e embora o medo,a eminência da morte tenham me afligido por breves instantes procuro sempre enxergar o lado positivo,pois ele sempre existe.
   Minha batalha contra o tumor ainda não teve fim,o quanto ainda durará não sei,mas se tem algo que tenho aprendido há longa data é ter paciência e perseverança. O ser humano por natureza tende a querer as coisas de imediato,mas se confiamos em Deus, Ele sabe o que é melhor e tem o tempo Dele. As pessoas também,dentre as reações, quando se vêem numa situação de desespero, tristeza, problemas, conflitos tendem ou a se revoltar contra Deus;ou são indiferentes o qual acabam muitas vezes se rendendo,desistindo; ou se agarram à Ele numa tentativa de resolver aquilo que até então lhe parece irresolúvel exigindo de Deus demonstração de Poder e se esquece de considerar a demonstração de Amor que Ele nos deu,através do sacrifício de Jesus "para que todo aquele que Nele crer não pereça,mas tenha a Vida Eterna". Mas temos que aprender a aceitar os fatos e entender que a natureza tem que seguir seu fluxo.Deus tudo pode, isso é inegável, mas tudo o que peço é que continue me dando forças para enfrentar todas as provações e que delas eu cresça e faça bom proveito das lições em minha vida.Que me torne cada vez uma pessoa melhor.
  Enquanto isso minha vida segue e sou muito feliz por isso,administrando as mudanças, amando intensamente e discipulada pela evidências que me tem sido reveladas a todo instante. Adormecer no aconchego dos homens da minha vida foi uma recompensa valiosa depois dos meus dias de confinamento.